Pressionado pelo avanço do desmatamento, o governo Jair Bolsonaro busca reforçar o setor de fiscalização na Amazônia Legal com o envio compulsório de agentes do Ibama à região.

Entidades dos servidores se queixam de coletes à prova de balas vencidos e falta de equipamentos para evitar contágio pelo novo coronavírus e afirmam que os que se recusam a ir são ameaçados com processo administrativo.

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“Servidor público convocado não pode se eximir do serviço, exceto nas hipóteses legais, e deverá apresentar seu impedimento na primeira oportunidade que tiver para alegá-lo”, afirma o edital de convocação, de 14 de julho, da Diretoria de Proteção Ambiental do Ibama.

Os agentes do Ibama estão sendo chamados compulsoriamente para atuar de maneira alternada até o dia 31 de dezembro. O edital afirma que até 50 agentes de fiscalização podem ser convocados por mês.

“O problema é esse tom de ameaça, de que os que se recusarem vão responder processo administrativo”, afirmou Elizabeth Uema, secretária-executiva da Ascema (Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista de Meio Ambiente).

“O que nos parece é que, por causa da pressão dos setores econômicos, querem mostrar serviço. Até porque a GLO se mostrou um fiasco, já que tem 3.000 soldados atuando e os resultados são pífios”, disse Uema.

Desde o início do mês passado, o governo voltou a enfrentar uma crise em razão do desmatamento na Amazônia Legal. Dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostraram crescimento no desmatamento pelo 14º mês seguido em junho.

A destruição da floresta cresceu cerca de 10% em relação ao mesmo período do ano passado, atingindo mais de 1.000 km² –o maior montante de km² destruídos da série histórica recente, que começou em 2015.

O avanço dos crimes ambientais ocorre em meio à vigência da operação da GLO (Garantia da Lei e da Ordem), na qual militares do Exército estão sendo empregados desde maio para combater o desmatamento e queimadas.

O vice-presidente, Hamilton Mourão, que preside o Conselho Nacional da Amazônia, afirmou que os militares ficarão até novembro na região.

As entidades também afirmam que, para os primeiros agentes que forem designados para atuarem na Amazônia, foram prometidos 250 coletes balísticos emprestados pela Força Nacional.

Segundo as entidades, os coletes já em uso de praticamente todos os agentes estão vencidos. A maior parte expirou em março, mas há casos de equipamentos que perderam a validade no fim do ano passado.

Em março, o Ibama abriu um pregão eletrônico para a aquisição de mil coletes balísticos. O processo, no entanto, foi impugnado quatro vezes, a pedido de uma das empresas participantes e está parado.

O Ibama afirmou, em nota, que “os servidores serão convocados gradualmente e de forma escalonada em ações de fiscalização na Amazônia durante o ano de 2020. Aqueles que apresentaram a justificativa e se enquadram no grupo de risco da Covid-19 não participarão da ação”.

O órgão informou que “não há coletes vencidos sendo distribuídos para uso dos agentes”, mas não comentou o fato de os equipamentos atualmente em utilização terem ultrapassado a vida útil.

Agentes ouvidos pela reportagem afirmaram estar preocupados em atuar com coletes vencidos ou emprestados, tendo em vista os ataques sofridos nas missões, com emboscadas e tentativas de queimar os veículos.

Bruno Langeani, gerente do Instituto Sou da Paz, disse que atuar com colete vencido é uma situação grave porque o fabricante não garante mais que o equipamento de segurança esteja funcionando.

“A falha na proteção acarreta risco de vida direto para os fiscais, isso justamente no momento em que estamos vendo mais ataques a esses servidores. Quando se somam colete vencido, fiscais mais atacados e a liberação de armas ao cidadão cada vez mais potente, a chance é ainda maior para o colete não funcionar”, disse.

Langeani ressaltou que usar um colete emprestado também traz riscos porque o tamanho pode não ser o correto, trazendo menor proteção ao agente.

Alex Lacerda de Souza, vice-presidente da Asibama (Associação dos Servidores do Ibama), no Pará, um dos principais focos de tensão em razão de ações dos grileiros, disse que o órgão também não oferece equipamentos de proteção individual para evitar a infecção pelo novo coronavírus, como máscaras, luvas, álcool em gel.

Além disso, segundo ele, não foi apresentado um plano de evacuação caso alguém se encontre em estado grave da Covid-19, em lugares mais remotos.

“Os fiscais em massa estão entrando com recursos para não irem para a missão nessas condições”, afirmou.

A Ascema preparou um formulário para seus membros declararem a impugnação da convocação, até que os novos coletes sejam entregues e que o órgão prepare um plano de enfrentamento ao coronavírus durante a missão, com a aplicação dos testes e o fornecimento das EPIs.

O problema com os equipamentos se insere no contexto do que as associações dos servidores chamam do “desmonte do Ibama”. Além de cortes no orçamento, o órgão sofre com a falta de pessoal.
O Ibama tem cerca de 700 fiscais para todo o país, 55% a menos do que havia em 2009.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou nesta semana que a proposta para abertura de novos concursos foi entregue ao Ministério da Economia, que avalia a possibilidade.

Os servidores também apontam uma ofensiva do governo contra o órgão. Bolsonaro chegou a dizer em abril do ano passado que estudava com Salles fazer “uma limpa no Ibama e no ICMBio (Instituto Chico Mendes de Biodiversidade)”.

Em uma ação mais recente, a diretoria do Ibama encaminhou à corregedoria pedido de investigação de agentes de fiscalização que haviam expulsado famílias invasoras de terras indígenas no Pará, em operações entre março e maio deste ano.

Estado do Pará News com informações da FolhaPress