A Polícia Federal mira o comércio ilegal de ouro extraído de terras indígenas, segundo os autos de um inquérito sobre a atuação ilegal de mineradoras na região Norte do país.
(Foto: Divulgação/ Policia Federal)
Investigadores suspeitam que empresários usem um garimpo nas proximidades de Itaituba, no sudoeste Pará, para “esquentar” minério retirado de território yanomami-RR. Há indícios, segundo a Polícia Federal, de que a prática inclua produto extraído de outras reservas ambientais na região amazônica. Entre elas, terras indígenas no Pará, Roraima e Rondônia.
A apuração é parte das três operações deflagradas no início do mês contra a mineradora Gana Gold, atual M.M.Gold. Ela tem como sócios os empresários Márcio Macedo e Domingos Zoboli.
O grupo é suspeito de burlar os limites de uma licença concedida pela administração pública em 2020. De posse de um documento que permitia apenas a realização de pesquisas sobre a existência de minério no terreno, eles teriam extraído toneladas de ouro ilegalmente.
No total, a PF estima que as empresas envolvidas no caso movimentaram cerca de R$ 16 bilhões entre 2019 e 2021.
À Folha, o advogado Arthur Mendonça Vargas Junior, responsável pela defesa da Gana Gold, disse que analisa as informações do inquérito e que se manifestará ao término da apuração policial.
No caso do ouro proveniente da terra yanomami, em Roraima, a suspeita da PF começou após a análise das transações relacionadas ao grupo econômico liderado por Macedo e Zoboli. As informações financeiras mostram uma relação entre a Gana Gold e o também empresário Rodrigo Martins de Mello.
Mello é suspeito de comandar a operação logística que garante a exploração ilegal de ouro na terra yanomami. Como mostrou a Folha, o grupo liderado por ele movimentou R$ 200 milhões em dois anos.
Ele é pré-candidato a deputado federal pelo PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, e passou a coordenar um movimento de garimpeiros em Roraima que tenta legitimar a atividade criminosa no território yanomami.
No período analisado pelos investigadores foram mapeados ao menos R$ 2 milhões em transferências da Gana Gold para Mello.
Além dessas transações diretas entre Mello e a empresa, a PF também encontrou 46 transferências da empresa para GG Travassos que, por sua vez, repassou valores a Tarp Táxi Aéreo.
Segundo a PF, Gabriel Travassos, sócio da GG, seria um intermediário da Gana Gold na compra do ouro extraído de garimpos não autorizados.
A Tarp, por sua vez, tem Mello entre os donos e é uma das empresas que mantêm contratos milionários assinados com o governo federal. Entre 2016 e 2018, a empresa recebeu R$ 29,1 milhões dos cofres da União.
Outras duas empresas de Mello, a Cataratas Poços Artesianos e a Icaraí Turismo Táxi Aéreo, receberam R$ 39,5 milhões do governo federal desde 2014. A maior fatia —R$ 23,5 milhões à Icaraí— no governo Bolsonaro.
Além das transações com as empresas de Mello, a PF também recebeu informações do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) sobre as transações da Gana Gold com firmas sediadas em Roraima, onde fica a terra indígena yanomami. No total, diz a PF, esses repasses somam R$ 18,9 milhões.
A operação para “esquentar” ouro, como o que teria origem na terra yanomami, funciona da seguinte forma: autorizada pelo poder público a explorar determinada área, a empresa passa a minerar em garimpos clandestinos ou locais proibidos, incluindo terras indígenas.
O ouro extraído ilegalmente desses locais não permitidos é declarado à ANM (Agência Nacional de Mineração), órgão regulador do setor, como se fosse de área autorizada.
A declaração sobre a quantidade extraída dificilmente é submetida a algum tipo de controle ou fiscalização e, com isso, a origem ilícita é camuflada.
Para reforçar a aparência de legalidade, a empresa realiza inclusive o recolhimento da parcela da CFEM, uma contraprestação paga pela mineradora à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios.
No final da operação, o ouro é inserido na economia formal. Os investigadores se referem a essa operação como “esquentamento” do minério.
De acordo com os autos da Operação Ganância, os indícios de que isso pode ter ocorrido surgiram a partir da análise da quantidade de metal comercializado pela empresa e declarado como de origem no garimpo no Pará.
A Gana Gold tinha previsão inicial de retirar 96 quilos por ano do garimpo próximo a Itaituba, segundo a guia de utilização emitida pela ANM.
Em um ano e cinco meses, entre 2020 e 2021, a produção deveria ser de aproximadamente 161 quilos. A empresa registrou comércio de um total de quatro toneladas (2.380% a mais).
“Existe intensa atividade no local que claramente supera a de mera pesquisa, havendo inclusive movimentação expressiva de caminhões”, afirmou a PF no inquérito.
Para ilustrar a suspeitas levantadas contra o grupo empresarial, a PF anexou aos autos fotos aéreas de uma área de aproximadamente 192 hectares.
Imagens mostram trechos de mata devastada. Na área foram construídos barracos, galpões e outras estruturas utilizadas para exploração do local. O registro fotográfico revela também a existência de um lago de rejeitos, outro indício da atividade exploratória.
A polícia estima em R$ 300 milhões o impacto ambiental causado pela atuação do grupo suspeito na região de Itaituba, considerando o desmatamento, assoreamento de cursos d’água e contaminação por mercúrio.

O dinheiro obtido com a venda do ouro, segundo os investigadores, era lavado em uma rede de padarias, investimento em criptomoedas, imóveis de luxo, caminhonetes e aeronaves.
Conforme mostrou reportagem da Folha, um dos suspeitos, o empresário Márcio Macedo, sócio da Gana Gold, esbanjava uma vida de luxo.
Informações colhidas pela PF revelaram movimentações milionárias em suas contas e gastos com helicópteros, lanchas, caminhonete importada e uma festa de casamento embalada ao som de duplas sertanejas famosas.
Relatório da PF expõe a movimentação financeira de Macedo e de seu grupo empresarial e mostra que, entre os anos de 2020 e 2021, a exploração ilegal de ouro rendeu cerca de R$ 1,1 bilhão ao investigado.
De onde a PF suspeita que vem o ouro esquentado no Pará
Território indígena Yanomami, em Roraima
Territórios indígenas no Pará
Como funciona o “esquentamento” do ouro
A empresa obtém título que autoriza pesquisa ou extração do minério em determinada área
O titular da autorização passa a minerar em garimpos clandestinos ou locais proibidos (terras indígenas, por exemplo)
O ouro extraído ilegalmente de locais não autorizados é declarado à Agência Nacional de Mineração, órgão regulador do setor, como se fosse da área permitida
A declaração sobre a quantidade extraída dificilmente é submetida a algum tipo de controle ou fiscalização e, com isso, camufla a origem ilícita
Para reforçar a aparência de legalidade, a empresa realiza inclusive o recolhimento da parcela do CFEM (compensação financeira pela exploração de recursos minerais)
O ouro é inserido na economia formal
Exemplo de esquentamento apontado pela PF na Operação Ganância
A Gana Gold tinha previsão inicial de retirar 96 quilos de uma determinada área no Pará, segundo a guia de utilização emitida pelo poder público
Em um ano e cinco meses, a produção deveria ser de aproximadamente 161 quilos
A empresa registrou comércio de um total de quatro toneladas (2.380% a mais)
Como os alvos da PF lavavam o dinheiro
• Investimento em criptomoedas
• Imóveis de luxo
• Caminhonetes importadas
• Aeronaves
• Rede de padarias
• Empresa setor saúde
*Fonte Folha de São Paulo