A comunidade indígena Xaary, da etnia Wai Wai, situada em São João da Baliza, ao Sul de Roraima, apreendeu um veículo da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) como forma de reivindicar os corpos de dois membros da aldeia, vítimas de coronavírus no último fim de semana.
(Foto: Reprodução / Selma Gomes / ISA)
Os dois membros são Fernando Makari, que faleceu no sábado (4), e Xexewa, no domingo (5). Ambos estavam internados no Hospital Geral de Roraima (HGR), em Boa Vista, unidade referência para tratamento da doença. Eles foram sepultados na capital.
Uma nota de repúdio contra o Distrito Sanitário Especial Indígena do Leste de Roraima (Dsei-Leste) foi emitida pela comunidade, que alega que o órgão teria impedido o translado dos corpos para a região.
“Queríamos fazer o mesmo que fizemos no estado do Pará, na aldeia Mapuera, onde foi enterrado o corpo do nosso parente Poriciwi, falecido de Covid-19. Ele foi removido do hospital em Santarém para a comunidade, no município de Oriximiná. Lá, foi enterrado segundo todos os protocolos sanitários, autorizado pelo Dsei Guamá-Tocantins, com a recomendação do MPF em Santarém”, escreveram.
Os Wai Wai criticam que não há respeito à dor e sofrimento. “Perante a nossa lei, quando um parente morre precisamos cuidar que ele seja enterrado na nossa terra, perto dos parentes vivos, onde nossos filhos e netos continuarão vivendo. Precisamos orar para que sua alma descanse em paz! Não precisamos aglomerar ou abrir o caixão para isso”.
A comunidade, que tem cerca de 140 pessoas, recebeu uma equipe de saúde no dia 23 de junho para diagnosticar possíveis casos de coronavírus trazidos de não-índios. Oito pessoas foram notificadas com a doença. Conforme a nota de repúdio, existem 50 pessoas com sintomas da Covid-19 na comunidade.
“Estamos nos cuidando desde o início com nossos remédios caseiros. Mas a doença piorou para algumas pessoas na segunda semana. A grande quantidade de parentes que devem estar contaminados e que não estão recebendo tratamento adequado é muito mais perigosa para nós do que o enterro do corpo do Makari na comunidade”, afirmam.
RECOMENDAÇÃO
O Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao Dsei-Leste que se esforçasse para enviar os corpos à comunidade onde seria feito o velório. O órgão emitiu uma série de recomendações, com intuito de evitar novos contágios.
Entre as medidas estava a distribuição de máscara, álcool em gel, que a cerimônia fosse em local ventilado, que não abrissem o caixão, e se evitasse a presença de pessoas do grupo de risco. O documento data de 4 de julho, mesmo dia do falecimento do primeiro indígena.
Por se tratar de recomendação, cabe ao Distrito decidir se acata ou não o pedido. O MPF sustentou que as crenças precisam ser respeitadas, como cita a Constituição Federal e destacou que a nota técnica sobre os cortejos fúnebres em Roraima não leva em consideração os rituais das comunidades.
“Ignorar as práticas culturais em momento tão grave para uma família e uma comunidade é agravar a situação de sofrimento e a violência sofrida em razão de doenças levadas por não indígenas. O retorno do corpo à aldeia, no contexto ora em exame, é opção administrativa que se subsidia na Constituição Federal e na Convenção da OIT”, argumentou o procurador Alisson Marugal.
DSEI-LESTE
O coordenador do Dsei-Leste, Tarcio Pimentel, explicou ao Roraima em Tempo que o MPF não possui autonomia na tomada de decisões referentes às vítimas indígenas de coronavírus internadas no HGR. Entretanto, destacou que a carta aberta dos Wai Wai chama atenção dos órgãos competentes para o diálogo.
“Somente cumprimos o que é determinado em plano de contingenciamento nacional e documentações estaduais. E, conforme Diário Oficial da União, os corpos precisam ser enterrados em até cinco horas após óbito, em enterro de 15 minutos. A reivindicação dos Wai Wai ascende um debate entre esferas públicas nacionais, como a Funai [Fundação Nacional do Índio], que ocorrerá nos próximos dias”, garatiu.
Ele também disse que para que os corpos de indígenas mortos por coronavírus sejam levados para comunidades indígenas, é preciso que várias entidades se mobilizam em um diálogo mútuo.
“Precisamos levar em conta que, se ocorrer alguma determinação judicial para que os corpos sejam levados aos Wai Wai, será necessária a colaboração de vários órgãos nacionais e estaduais para, por exemplo, transporte do corpo, medidas de segurança e prevenção aos indígenas”, encerrou.
Estado do Pará News com informações de Pedro Barbosa
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