O mercado paralelo do sexo enraizado no Complexo Penitenciário da Papuda em São Sebastião, no Distrito Federal, se tornou moeda de troca entre os internos. Com os maridos, irmãos e filhos colecionando dívidas e ameaças no cárcere, mulheres ligadas aos presos são coagidas a manter relação sexual com os algozes de seus familiares. A reportagem conversou com policiais penais que, sob condição de anonimato, detalharam como os abusos ocorrem.
(Arte: Metrópoles)
As abordagens começam nos dias de visita, quando traficantes poderosos se interessam por figuras femininas que têm parentesco com aqueles que cumprem pena no sistema. “Eles reparam que um apenado tem uma irmã bonita, ou mãe que chama a atenção, e passam a aliciá-lo. Oferecem algumas facilidades dentro da prisão, que pode ser até mesmo a compra de um lanche melhor na cantina. O objetivo é fazer com que esse interno fique em dívida. Na maioria das vezes, esses presos não conseguem pagar e são coagidos a levar essas mulheres para ter encontros íntimos com outros internos”, explicou um policial penal.
As relações ocorrem nas celas dedicadas às visitas íntimas ou até mesmo nos banheiros do pátio. “Para ter acesso ao chamado ‘parlatório’ (local onde ocorre a visita íntima), os internos precisam comprovar que têm relacionamento estável ou são casados. Os documentos das visitantes ficam retidos durante os 30 minutos em que o casal passa junto. Esse controle acaba inibindo alguns encarcerados, que preferem transar dentro dos banheiros, pois sabem que, em regra, não podemos entrar”, contou outro trabalhador do local.
Alguns detentos chegaram a relatar, informalmente, ameaças e admitem se sentir humilhados ao fazer com que as integrantes da família se submetam ao ato. Entretanto, temem represálias ao apresentar denúncias formais. “Já vimos casos de avós de presos que vieram para visitas íntimas. É um caso delicado, porque elas não falam o que realmente está acontecendo. Algumas mulheres se destacam muito dentro da prisão. Até mesmo na fila do parlatório é possível perceber que elas não têm intimidade alguma com o suposto companheiro”, confidenciou um agente.
Uma jovem de 19 anos disse à reportagem que o irmão, detido por tráfico de drogas, foi agredido e ameaçado dentro do complexo. A forma de quitar o débito foi “promover um encontro” do agressor com a estudante.
“Ele disse que bastava um encontro com um colega de cela. Estava sem comer há alguns dias e tinha medo de que dessem um sumiço nele lá dentro. Nossa família é simples, minha mãe está desempregada e quase não temos condições de levar os itens básicos à Papuda. Fiz por ele, para proteger. Dentro do banheiro, permiti que ele me tocasse, mas não passou disso”, desabafou a jovem, que pediu para não ser identificada.
O que dizem as autoridades:
Por meio de nota, a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape) esclareceu que, de acordo com as regras vigentes, para realização da visita íntima é necessária a apresentação de documentação comprovando vínculo matrimonial, certidão de casamento, escritura pública bilateral declaratória de união estável ou certidão de nascimento de filho em comum. Tal prática visa inibir irregularidades no uso do parlatório dentro das unidades prisionais.
“Cumpre mencionar que desde março de 2020 as visitas íntimas estão suspensas em decorrência da pandemia. O atual modelo de visita social não permite que tais práticas ocorram pois os lugares para visitantes e custodiados sentarem são pré determinados. Além disso, as visitantes utilizam banheiros fora do pátio e não são permitidas movimentações e aglomerações”, destaca a pasta.
Por fim, a Seape acrescentou que foi instituído grupo de trabalho, que irá propor novo normativo para retorno do uso do parlatório com regras ainda mais rígidas com vistas a tornar ainda mais seguras as visitas íntimas.
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), por meio do Núcleo de Controle e Fiscalização do Sistema Prisional (Nupri), afirmou já ter recebido denúncias informais, não escritas, de que tal prática ocorria no modelo de visita anterior à pandemia. “Mas em nenhum caso nos foram apontados indícios suficientes para instaurarmos procedimento de investigação”, diz o MP.
“Temos investigações sobre extorsões de presos e seus familiares, mas de casos em que são exigidos depósitos em dinheiro em contas de pessoas vinculadas aos detentos credores das dívidas. Diariamente, verificamos que familiares têm medo de relatar abusos sofridos por seus parentes com medo de que sofram represálias”, frisa o Nupri.
Com informações do Metrópoles